domingo, 8 de novembro de 2015

COISAS DA VIDA

Depois de muito ponderar e de falar com o meu marido sobre o assunto, hoje resolvi partilhar convosco algo de muito intimo. A razão porque o faço prende-se com o facto de fazer parte de mim partilhar coisas minhas no blogue, mas também e principalmente, porque acredito que esta partilha de histórias ajuda sempre alguém desse lado. E no fundo, também me vai ajudar.

Antes de avançar, tenho de pedir desculpa às pessoas amigas que leem o blogue e que vão ficar assim a saber deste episódio. Mas é o que é.

Este ano, o nosso projeto de verão não era ter um corpo esbelto para a praia, mas sim engravidar. Depois de alguns anos a adiar a parentalidade, achámos que o verão de 2015 seria a altura ideal para iniciar uma nova fase na nossa vida. E assim foi, em agosto engravidei.

Correu tudo como planeado. Engravidei na altura que tinha planeado, foi muito rápido e confesso que nunca pensei que engravidasse tão depressa. Antes de realizar o teste de gravidez já tinha a certeza que estava grávida. Via as alterações no corpo, que mesmo ténues percebiam-se. A barriguinha mais redonda em baixo, o peito maior, pesado, dorido... não sei como algumas mulheres passam meses sem saber que estão grávidas. Para mim era óbvio. O teste foi apenas a confirmação. E nesse dia, muitas emoções se deram. Contar aos nossos pais, às nossas irmãs, à minha sobrinha que há muito me perguntava se não havia a possibilidade de eu estar grávida. Houve lágrimas, houve risos, planos, conversas, perguntas... o bebé passou a ser o principal tema de conversa. 

Às 7 semanas de gravidez, tive uma pequena perda de sangue. Quando vi pensei que era normal, no mesmo momento entrei em pânico porque podia não ser normal. Dirigimo-nos às urgências de obstetrícia e fui vista por um médico muito prestável. Examinou-me, fez ecografia e disse que estava tudo bem. O Bruno viu o bebé, viu os batimentos cardíacos, eu também vi, mas não assimilei bem. Só queria ouvir que estava tudo bem! "Nada de esforços, nada de carregar pesos e nada de relações sexuais." - disse o médico. E assim foi. Até a cama deixou de ser feita diariamente nesta casa. As tarefas mais simples começaram a meter-me medo. Não estendia a roupa, não passava a ferro, não aspirava... fazia o mínimo dos mínimos, pois não valia a pena arriscar.

Fui à minha médica, estava tudo bem. Prescreveu os exames normais e tudo parecia normal. Até ao dia em que tive outro sangramento. Estava nas 9 semanas e lá fui eu novamente às urgências. Depois de duas horas e meia à espera fui atendida. Desta vez o médico não era simpático. Arrogante, falava demasiado baixo, magoou-me imenso enquanto me examinava... uma bestazinha, diga-se. Vamos lá fazer ecografia.

"Há quanto tempo é que esteve cá?" - perguntou. "Duas semanas." - respondi eu. - "15 dias?!" - perguntou - "Não estúpido, duas semanas são 14 dias... não 15..." - pensei eu. -"Nessa altura tinha batimentos cardíacos?" - perguntou -  "Sim..." - respondi - "Agora não tem... pode ser por ser muito pequenino..." - Nesta altura caiu-me tudo. Olhei para o Bruno e ele estava simplesmente branco, de olhos arregalados e boa entreaberta a olhar para o monitor. "Oh não... isto não nos está a acontecer..." - pensei.

Mas estava. Saí de lá lavada em lágrimas, sem saber o que pensar, sem saber o que fazer... Nessa altura o Bruno tentava acalmar-me. E a sorte é que, como sempre, quando um de nós está num estado de nervos incontrolável, o outro consegue manter a cabeça um pouco no lugar. 

O médico disse-me para fazer uma nova ecografia ao fim de uma semana, para ver se a gravidez era exequível, foram estas as suas palavras, mas que ele achava que não era. Tudo dito com a mesma delicadeza de quem diz: "Tens uma blusa feia." 

Ora bem, acho que não é preciso ser médico para perceber que se às 7 semanas o embrião tem batimentos e às 9 não tem, é porque algo se passa. Se é pequeno às 9, às 7 ainda era mais, logo se às 7 tinha batimentos e às 9 não, não será por ser pequeno.

Marquei consulta e ecografia para a manhã seguinte. Por um lado, o meu lado racional dizia-me que algo não estava bem. No entanto há sempre o lado emocional, que nestas alturas é muito forte. Pensava que a ecografia tinha sido muito rápida, por isso o médico podia ter visto mal, pensava que esta ecografia tinha sido pélvica e a primeira tinha sido endocavitária e esse podia ser o motivo das diferenças... passava-me tudo pela cabeça. 

Não me apetecia falar, não me apetecia comer, não me apetecia nada... só chorar!

Ao final da tarde, comecei mesmo a perder sangue como se estivesse menstruada. Aí tirei toda a réstia de esperança que ainda tinha e percebi que estava a ter um aborto espontâneo. Nesse momento deixei de pensar no bebé. Porque o bebé já não existia! Aí passei a ser eu a minha maior preocupação. Queria ficar bem fisicamente, não queria ter problemas e mais uma vez, fomos para as urgências. 

Fui atendida por uma médica da equipa do médico que me atendeu de manhã. Foi incrível, super delicada, super atenciosa. Examinou-me e disse-me que o corpo já tinha expulsado a maioria do que havia a expulsar. A ecografia endocavitária que me fez comprovou-o e fiquei apenas em observação umas horas, depois da recolha de sangue para análise. Já tarde disse-me que estava tudo bem, que podia ir para casa e que para a próxima tudo iria correr melhor. 

Regressei a casa e quando me deitei percebi verdadeiramente que já não estava grávida. Percebi que já não tinha de fazer festinhas na barriga, que para já não tinha que pensar no que tinha de comprar, na forma como tinha de organizar o quarto para colocar lá a cama de bebé, que não tinha de comprar calças de grávida porque as minhas já me estavam a deixar de servir... Perguntava-me como era possível a nossa vida em 24 horas mudar tanto. Num dia estava grávida e cheia de planos, no outro dia não. 

Tive momentos muito difíceis. E percebi que a única pessoa com quem podia falar abertamente sobre o assunto é o Bruno. Não por não ter pessoas de confiança, porque felizmente tenho, mas porque tal como eu, ele também perdeu o nosso bebé. Só ele sabe o que eu sinto. Os planos foram feitos a dois, as decisões foram tomadas a dois e a dor também foi partilhada pelos dois. E ele foi o meu maior apoio. 

A sensação que tenho, é que a maioria das pessoas, está à espera de um tipo de reação. As pessoas acham sempre que nós reagimos como elas reagiriam, ou acham que reagiriam. Percebi que quando alguém me pergunta como me sinto, já tem a resposta na cabeça. Se respondo que estou bem, insistem se estou mesmo bem com receio que eu esteja a disfarçar a dor. Se respondo que estou triste e que tenho chorado muito, dizem-me para não estar assim. Sei que a intenção é ajudar, mas há coisas que não ajudam. Acho que prefiro que não me perguntem nada. 

Há dias uma amiga disse-me que sou uma pessoa muito equilibrada, que apesar de ter passado por algo tão doloroso continuo com a cabeça em ordem e, que se fosse ela, não sabe como estaria. Que devia estar muito mal, pois é muito sensível. 
Sei, sei mesmo, que a intenção dela era boa, mas ao mesmo tempo fiquei com a sensação que ela acha que não sofri, ou que não sofro com o que aconteceu. Não é por fazer a minha vida normal, e por não andar a chorar pelos cantos, que não sofro. Mas tive de aceitar. Infelizmente por muito injusto que eu ache que seja, nada vai mudar. Aconteceu-me, tal como acontece a outras tantas mulheres. Não posso deixar que isto me abale, pois a vontade de ser mãe permanece. 

Mas lembram-se de eu dizer que não faço muitos planos para a vida, porque já percebi que a vida tem planos para mim. Ora aqui está mais uma prova. Planeei a gravidez, decidi qual era o melhor mês para engravidar e assim foi. E de repente a vida vem mostrar-me que não é bem assim. Nem tudo é como queremos, não podemos decidir tudo...

Isto aconteceu há 3 semanas. Neste momento estou a fazer novos exames para ter a certeza que está tudo bem. Até à data os resultados têm sido bons. Agora, eu vejo as coisas um pouco diferentes da altura. Lembro-me que no dia do 1º sangramento, que o médico disse: "Por agora está tudo bem, depois vamos ver com o decorrer da gravidez. Nada de carregar compras... nada disso... e nada de relações sexuais." Pergunto-me se notou alguma anormalidade ou se foram apenas palavras a alertar para uma mera possibilidade. 

A verdade é que no geral eu não me sentia bem. Não sei explicar, mas senti sempre um certo mal estar. Não sei se era normal ou não, ou se estava relacionado com o facto de dormir muito mal nessa altura. Este episódio aconteceu numa terça, mas na sexta anterior eu já me sentia estranha e na noite de segunda tinha algumas dores que associei ao cansaço desse dia. Nunca senti dores fortes ou um desconforto demasiado grande para achar anormal, mas agora penso que já haviam sinais de que algo não estava bem. 

Dizem que gravidez não é doença. Mas é algo muito delicado e são necessários muitos cuidados. Neste momento há que dar um tempo (de 4 a 6 meses) para o corpo recuperar, para ter a certeza que está tudo bem e, também para libertar a mente e, só depois podemos pensar em voltar a engravidar. Já não penso no mês ideal, nisto ou naquilo. Depois dos meses necessários de espera, seja o que Deus quiser. 
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6 comentários:

  1. Olá Helena, mesmo sem te conhecer fiquei mesmo triste pelo que te aconteceu, comovi-me e sinto muito a tua perda. Não tenho palavras para a tua dor, mas tenho a certeza que o vosso desejo se vai concretizar e tudo vai correr bem. Beijinho enorme e um abraço forte!! Ana

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  2. Fiquei triste por ti. Mas o que te posso dizer é simplesmente para não desanimares e andar para a frente. Beijinhos

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  3. Cada um sofre à sua maneira. Cada sofrimento é sentido da forma como tem de ser.
    Quando digo que tenho três filhos e sofro de infertilidade, além de lhe juntar que fiz laqueação de trompas, as pessoas olham para mim como se fosso louca, mas assim é.
    Fiz vários tratamentos para engravidar e na primeira vez que consegui, aconteceu-me algo parecido, já que na 1ª eco não se ouviram batimentos cardiacos. Como o meu corpo não fez a expulsão sozinho, tive de passar por uma curetagem. E penso nesse bebé? Sim, uns dias mais que outros.
    Não conheço a sua dor, mas percebo-a perfeitamente.Desejo-lhe o melhor e que em breve o vosso desejo se concretiza.
    Nany

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    1. É mesmo isso Nany. Não conhece a minha dor, mas entende-a, tal como qualquer mulher que tenha passado pelo mesmo, ou que seja mãe. Mas cada dor é uma dor. Obrigada pelo seu comentário e também pela partilha da sua história. Beijiho. :)

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