sexta-feira, 22 de março de 2024

PHDA - HEREDITARIEDADE

 Uma das perguntas que me fazem quando se fala na PHDA do Gonçalo (e não é um assunto recorrente, mas vai surgindo em conversas com familiares e amigos) é porque é que ele tem "isso"?

Primeiro há pessoas que ainda pensam que PHDA é apenas ser irrequieto e cabeça no ar, levando a pensar que isto é uma moda e que todas as crianças são assim, diferentes mas iguais.

Depois há pessoas que acham que é uma doença que aparece e depois desaparece, como se de uma gripe se tratasse.

Claro que esta desinformação não ajuda.

Acreditem que seria muito vantajoso todos termos noções mínimas sobre várias perturbações, mesmo que não tenhamos ninguém da familia que tenha, há sempre um colega de escola ou de uma atividade de um filho que tem, e esse conhecimento faz toda a diferença na forma como tratamos as crianças e como os nossos filhos também as tratam. Há uma linha muito ténue que separa o desconhecimento do bullyng. Acreditem!

Portanto, a PHDA nada tem a ver com o ambiente familiar e educacional, não é falta de regras ou de educação, nem falta de atenção. 

Pode ocorrer em pessoas de todos os contextos socioeconómicos e níveis intelectuais e está relacionado com causas biológicas.

Há estudos que indicam que poderá ter origem genética, apresentando uma taxa de hereditariedade de 25% (já li noutros "estudos" que a taxa é de 50%). E uma das primeiras perguntas que nos fazem nas consultas de desenvolvimento é se o pai ou a mãe têm a personalidade parecida, ou se há alguém próximo na família com características idênticas, ou até mesmo com diagnósticos.

Também pode estar associada a um menor volume em várias regiões do cérebro, nomeadamente os lobos frontais, que são responsáveis pela nossa capacidade de resolver problemas, planificar, controlar impulsos e compreender comportamentos.

Outros estudos apontam para consumo de álcool e tabaco na gravidez, tal como excesso de açucar refinado e aditivos, pois podem estar na origem da PHDA ou aumentar os sintomas.

Eu não fumo, nunca fumei, e não consumi uma gota de álcool na gravidez. Açúcar refinado como e comi algum na gravidez, mas nada que possa ser considerado excessivo. Sempre tive cuidados com a minha saúde e na gravidez não foi diferente, além de ter sido muito bem acompanhada e vigiada em toda a gravidez.

Portanto, nós acreditamos muito na hereditariedade como "culpada" da PHDA do Gonçalo. 

E achamos que vem do meu marido. 

Assim que começámos as consultas e começámos a ler mais sobre o assunto, identificámos muitas características também no meu marido. 

Acontece que há trinta e tal anos ninguém falava disto, pelo menos no nosso meio. Nós fomos da mesma turma do 7° ao 9° ano e a imagem que eu tenho dele era alguém sentado num canto, completamente abstraído do que se passava à volta e com um enorme desiteresse nas aulas. 

Destacava-se nas aulas de história, que eu detestava, por sinal, e tudo o que não implicasse estudo, ele era bom. Lembro-me de ter feito um candeeiro e a instalação eléctrica na disciplina de Educação Tecnológica e de eu achar aquilo espetacular, pois eletricidade nunca foi o meu forte! (Ainda hoje, nas explicações de Físico-química, no 9°ano, quando os miúdos iniciam o ano aviso logo que na parte da eletricidade sou um zero à esquerda e que terão de ter muita atenção nas aulas e tirar dúvidas com os professores. Felizmente eles gostam sempre desse capítulo, vou lá eu entender...).

Claro que o desinteresse na escola levou-o a deixar de estudar no final do 9° ano, com 16 anos. Começou logo a trabalhar e mantém-se até hoje na mesma profissão. Sempre me disse que nas formações que tem distrai-se com muita facilidade e que só consegue estar atento nas partes que lhe interessam. Em contrapartida, na parte prática (ele é pintor de automóveis) é sempre muito participativo. 

É o tipo de pessoa que perde tudo. De manhã há sempre alguma coisa que não encontra, "perde" imensas vezes a carteira (depois liga-me a perguntar se ficou em casa, e das duas, uma, ou está em casa, ou caída no carro), assuntos que envolvam datas, eu tenho de o lembrar sempre, paciência para esperar não é de todo o seu forte, super impulsivo em certas situações, fala pelos cotovelos noutras situações, e muda de humor com muita facilidade.

É pouco organizado, tem muita dificuldade em iniciar e terminar completamente uma tarefa (pelo menos no dia-a-dia, no trabalho já é muito metódico) perde o interesse com facilidade, por exemplo nos hobbies. Investe tempo e dinheiro nas coisas, mas depressa ficam num canto... enfim, são várias as características que tem.

Ontem até aconteceu uma situação engraçada. 

De vez em quando gostamos de fazer jantares de cachorros quentes, ou hambúrguer no pão, ou pitas, e comemos na sala. O Gonçalo adora, e como ontem dava futebol (e não temos tv na cozinha) fizemos um jantar desses.

Quando terminámos de jantar eu tinha umas coisas para preencher e combinámos que ele arrumava tudo e deixava só a loiça organizada no lava loiça para eu lavar. E depois disso ele iria ver a segunda parte do jogo no café.

Entretanto o Gonçalo stressou na casa-de-banho porque ía fazer um cocozito e queria estar de telemóvel, coisa que nós não deixamos. Houve ali alguma tensão entre eles os dois, e entretanto a coisa resolveu-se e ele saiu de casa. 

Quando eu terminei a tarefa que tinha em mãos, dirigi-me à cozinha, à espera de ver tudo arrumado e apenas a loiça para lavar,  dou de caras com a mesa suja e com coisas que não foram arrumadas, os individuais embrulhados (pelo menos já não tinham migalhas), a loiça em cima da bancada sem estar organizada pera eu lavar (detesto, a loiça tem de ficar arrumadinha, suja, mas arrumadinha, senão 3 pratos e 3 copos parecem centenas) e pronto, nada estava como combinado.

A minha ansiedade não me permite ficar caladinha nestas situações e enviei-lhe um sms a dizer: achas que se eu lavar só a loiça,  a cozinha fica arrumada?

Ele percebeu logo o problema e lembrou-se que tinha deixado a tarefa a meio. Em tom de gozo ainda lhe disse "estou a ver que também tens de tomar o Rubifen".

Eu até podia achar que foi desculpa dele e que deixou as coisas assim por desinteresse, mas acredito mesmo que se esqueceu! E como esta, acontecem dezenas de situações idênticas.

Ouvimos muito que antigamente não havia PHDA (e outros), mas havia! A diferença é que agora há diagnósticos.

 Antigamente quem não era bom nos estudos, saía da escola e ía trabalhar. Alguns com mais sucesso do que outros, mas era normal deixar-se de estudar com 14 ou 15 anos. Hoje isso não acontece. 

Antigamente um aluno com más notas era desiteressado, pouco esforçado, burro, etc. Hoje, apesar de existir ainda muito desiteresse também por parte de alguns professores, há mais informação e os próprios professores encaminham alunos com dificuldades para psicólogos e outros tipos de apoio.

Antigamente as crianças iam para a escola aos 6 anos. Nas zonas rurais não havia infantários, nem pré-escolas. Portanto o normal era termos o primeiro contacto com a escola apenas no 1°ano. Hoje em dia, além de infantários, há escolas públicas com pré e as crianças vão logo cedo para a escolinha, sendo mais fácil detetar algum problema. 

Antigamente quem ía ao psicólogo eram os "malucos", e a um psiquiatra nem se fala. Havia muito preconceito em relação a isso.  Ninguém levava um filho ao médico, ao psicólogo, o que fosse, porque estava com dificuldades na escola, ou porque não socializava.

Tudo isto leva a mais diagnósticos! Não é moda nenhuma.

Confesso que gostava que o meu marido fosse mais a fundo na questão para ter a certeza se tem ou não PHDA, mas para já ele não tem esse interesse, portanto também não insisto. 

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