Vão buscar um chá, ou um cafézinho, sentem-se e acompanhem-me com calma, porque para nervosa basto eu.
Isto não anda fácil...
Ora bem, hoje foi dia de ir eu buscar o Gonçalo à escola. Estou eu à espera ao portão, quando vem um colega do Gonçalo (que é mais velho, irmão de um colega que vem desde a pré, e que foi um miúdo que eu gostei desde o primeiro dia que o vi) chamar-me.
- Mãe do Gonçalo, mãe do Gonçalo, podes chegar aqui à rede. Olha, anda um colega nosso a gozar com o Gonçalo...
Bem, resumindo, o Gonçalo vai à casa-de-banho e põe as calças e os boxers para baixo, não se importando que os colegas os vejam despido.
O outro menino, já mais velho e saído da casca, acha muita piada meter-se com ele.
Enquanto o S. me contava pormenores do acontecido, chegaram-se outros miúdos à rede, onde um da idade do Gonçalo me disse: O L. goza com todos, ele porta-se muito mal e é muito saído da casca.
Nisto resolveram ir todos chamar o colega mal comportado e o Gonçalo chega ao pé de mim.
O miúdo lá veio de rabinho entre as pernas e eu quando o vi percebi logo o porquê de dizerem que ele é saído da casca. É daqueles miúdos que vemos logo que é reguila, mal comportado, foi dos que percebi no dia em que estive na sala, que se achava engraçadinho, enfim...
Ele aproximou-se, mas ficou desviado, como se tivesse receio que eu lhe fizesse alguma coisa.
Eu chamei-o e, não sei como mantive a calma, mas falei com ele tranquilamente e disse-lhe que se repetisse ia falar com os pais.
Estavam vários pais ao portão, não vi ninguém que pudesse estar à espera do miúdo, outras pessoas aperceberam-se da conversa e a auxiliar que estava ao portão ouviu tudo.
No caminho para o carro disse pela milésima vez ao Gonçalo que não tem de se despir todo, e que os colegas não têm de o ver praticamente nu.
Tem sido uma luta com isto. Em casa ele chega a despir as calças para fazer o cocozito descansado.
Já no carro, com aquela conversa toda, perguntei-lhe o que tinham feito nas aecs, e ele disse que os amigos jogaram um jogo e ele brincou com não sei o quê. Aqui já tinha deixado de ouvir...
- E porque é que não jogaste também?
- Quis brincar, e tu sabes que sou um menino especial, mãe...
O quê? Outra vez esta conversa? Mas sou eu que sou maluca por não achar isto normal?
Já me bastou a primeira educadora com esta lengalenga, agora volta a acontecer?
- Mas quem é que disse que és um menino especial?
- São os meus amigos, mamã! - diz ele cheio de orgulho.
- Oh filho, tu não és um menino especial. Todos nós somos especiais, poque temos as nossas particularidades... tu tens PHDA, és diferente deles por isso, porque nenhum tem, mas não és especial!
- Mas porque é que não posso ser especial?!
E pronto, para ele ser especial só traz vantagens: é especial, logo pode não fazer o que tem para fazer!
Os amigos fazem a conversa porque vem de alguém, e quem será?
Acreditem que eu acho que a intenção é boa e que a pessoa só não sabe escolher bem as palavras, nem percebe o peso que elas têm, mas não é bom! É prejurativo!
E agora o que é que eu faço? É que eu já não sei, tenho de arranjar aqui uma forma de lidar com isto, porque de certeza vai acontecer muitas vezes.
Assim de repente só me apetece disparatar, mas claro que não vou fazer isso... a minha boa educação não o permite!!! Maldita boa educação!
Mas também não posso fazer de conta que não se passa nada. Ao que parece há outro miúdo que também se arma em engraçado, mas esse eu conheço a mãe e tenciono falar com ela.
No entanto tenho de falar com a professora. Ainda há duas semanas falei com ela porque outros dois, lhe bateram no recreio. Parece-me que não foi grave, e entretanto não se repetiu. Mas esses são da idade dele, e há ali um contexto de brincadeiras de lutas que se descontrolam. Claro que não gosto, mas o caso de hoje ser com miúdos mais velhos e mais astutos, preocupa-me... e irrita-me!
Depois há também a questão do Gonçalo não ver mal, levar na brincadeira. Como se riem, ele acha que não tem mal nenhum e isso é muito grave.
Claro que não posso, nem consigo, ficar impávida e serena!
Pensando a longo prazo, por um lado eu tenho de aprender a lidar com estas questões, porque fico demasiado enervada e angustiada. Depois, temos de dar ferramentas ao Gonçalo para se defender de várias formas, fisicamente, verbalmente e até em ter uma voz, em fazer-se ouvir, não ter receio de contar a um adulto, de fazer queixas... ele tem muito receio de ficar de castigo se fizer queixas.
Enfim, há aqui muita coisa a ser trabalhada. Não sei bem como, ainda, mas lá chegarei.
Amanhã, por acaso, é a festa de aniversário do amigo que veio contar-me o sucedido.
Vou ficar por lá um pouco para fazer as minhas averiguações.
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