Ontem foi um dia daqueles.
Estava eu a preparar o almoço quando fiquei sem eletricidade. Pensei que o quadro elétrico tivesse disparado, mas não. Enviei mensagem para o vizinho do café e para a vizinha cabeleireira: "têm luz?"
Não, ninguém tinha. Era a cidade toda. Depois já era o país todo. Depois já era a Europa e já iamos ficar 72 horas sem eletricidade.
Eu não conseguia ver notícias, fiquei quase de imediato sem net, enviei mensagem ao meu marido e depois enviei à minha mãe a dizer-lhe para prepararem o rádio a pilhas e as lanternas, porque era uma falha grave.
Não costumo ser alarmista, e apesar de começar a panicar um bocadinho, mantive a calma.
Entretanto o meu marido chegou para almoçar e assim que comemos, eu fui à escola buscar o Gonçalo. Avisei as mães das minhas explicandas de que não haveria explicação, dadas as circunstâncias, mas nem consegui saber se tinham ou não recebido.
Havia muito trânsito, mas lá fui calmamente.
Na escola, o ambiente era calmo, as crianças brincavam descansadas e nem se tinham ainda apercebido do problema.
A professora já stressava por não saber o que dizer aos pais, também não conseguia contactar ninguém, e estava preocupada com a possível falta de água.
Assim que entrei no carro com o Gonçalo e ele percebeu que não tinha televisão, nem telemóvel, nem playstation, começou a stressar e acho que foi um misto de sono, com cansaço e receio do aborrecimento que o fez chorar bastante.
(E não me venham com a lengalenga que os miúdos estão viciados nessas coisas, porque o que há mais são adultos a não darem um "pum" sem irem à internet, e viciados estamos todos... Além disso o Gonçalo é uma criança do campo, farta-se de brincar na rua...)
Passámos pela casa dos meus pais, e no regresso a casa lá foi acalmando.
Assim que cheguei a casa e abri a torneira da cozinha e percebi que não tínhamos água, comecei então a ficar ainda mais preocupada.
E apesar de não ser alarmista, também não consigo romantizar estas situações. Estava muito preocupada com a falha elétrica, mas a falta de água ainda me preocupava mais.
Fui à casa-de-banho e ainda corria um fio de água na torneira do lavatório, então enchi tudo o que foi possível, jarros, garrafas, tachos... pouco tempo depois ficámos mesmo sem água.
O meu marido chegou a casa e um vizinho disse-lhe que se precisassemos de água, que ele nos arranjava. É a parte boa de viver num meio pequeno.
Saímos de casa para o Gonçalo desanuviar, fomos levar umas garrafas de água aos meus sogros, pois não sabíamos se tinham, brincámos no parque e às 19h estávamos a jantar na sala, para aproveitarmos a luz natural.
Deixei a loiça por lavar, resolvi fechar os olhos a isso, por 2 motivos: tinhamos pouca água e eu estava com receio de gastar e fazer falta para consumo, e se fosse lavar, a água era pouca para lavar convenientemente a loiça, e isso faz-me confusão. Lavar loiça com água já a ficar suja... naahh!
Entretanto íamos ouvindo as notícias no rádio do carro e ficámos mais descansados quando disseram que já havia eletricidade em certas zonas do país e que durante a noite seria tudo reposto.
Eu e o Gonçalo lemos vários livros do Rato Renato e às 21:30 estávamos na cama, com um banho de toalhitas tomado e com o meu filho a dizer que ir para a cama assim, era coisa de badalhoco... mas teve de ser.
Entretanto a luz, a água e a Internet voltaram por volta das 22h e eu dormi muito mais descansada.
De manhã chamei o Gonçalo mais cedo para tomar um banho e ele levantou-se de imediato, tal não era a necessidade! Lavei a loiça como deve ser, aspirei a cozinha, despachei-me e lá fomos para mais um dia comum, como se nada tivesse acontecido.
Depois chegam as conversas dos "achismos" e dos "supostamentes" e as romantizações (que eu adoro)...
Quanto às conversas "eles disseram que era para durar 10 dias", " eles disseram que vai acontecer muitas vezes", eu pergunto: eles quem? O Facebook? Ou o tik tok? Oh pá, vamos filtrar o que lemos e ouvimos, e focar a nossa atenção em notícias fidedignas.
Agora, quanto ao kit de sobrevivência que foi aconselhado há uns meses, e que as pessoas agora acham que era porque já sabiam que isto ia acontecer, independentemente disso ser ou não verdade, não faz sentido ter bens essenciais e não perecíveis em casa? Não faz sentido ter pilhas, lanternas, rádios, velas...?
Faz, não faz? Eu acho que sim. Não tenho rádio, mas vou tratar disso, mas tenho lanterna, tenho velas, tenho sempre enlatados. Tinha pouca água e vou tratar de ter reserva também, porque ontem assustei-me. Mas é óbvio que faz sentido termos estas coisas.
Ontem foi por esta falha grave, mas até pode acontecer outro problema... já aconteceu o covid, tanta gente que não tinha nada em casa. Nós sabemos que estamos muito dependentes de um sistema que pode falhar, é bom termos alguns cuidados.
Há uns anos eu tinha uma pequena zona a que chamava de despensa de emergência. Neste momento não tenho, mas no início do mês, como já partilhei, gosto de comprar arroz, massa, feijão, grão, conservas de atum, sardinhas e outras do género, para o mês inteiro.
Neste momento estou a pensar voltar à despensa de emergência, mesmo com este objetivo, de ter uma reserva para uma possível emergência. Não por uma questão de alarmismo, mas por achar que são coisas que podem repetir-se.
Acho que seria bom todos repensarmos estas questões, até para evitarmos açambarcamentos, como voltámos a ver ontem.